quinta-feira, 19 de abril de 2018

MAIS UMA TRISTEZA SEM FIM


Aqui era a Livraria Pó dos Livros.

Fechou portas no dia 31 de Março.

Lisboa continua a destruir-se, história e histórias espezinhadas pela especulação imobiliária.

Como posso escrever sobre o fecho de uma livraria? De um café? De um cinema?

São dores que acabamos por chorar sozinhos.

Dificuldades quase inexplicáveis.

Fui um dos últimos espectadores, mas, ainda hoje, passados 5 anos, ainda não escrevi nada sobre o fim dos Cinemas King.

Em Fevereiro, Jaime Bulhosa, gerente da Pó dos Livros, escrevia no blogue da livraria:

«Setembro de 2007, abrimos as portas, e já nessa altura planava sobre nós o abutre. Nunca passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de perto, dava uma bicada, ou duas, nos nossos pés e ficava inquieto à espera que chegasse a hora fatal, grasnando num som surdo, como só os abutres sabem fazer: «Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas as livrarias irão fechar».
Nós bem o tentámos enxotar para longe, mas ele voltava sempre. Olhava de viés, ao mesmo tempo que inspirava o ar, à procura de aromas de moribundo. Contudo, ainda não tinha chegado a nossa hora e, voou com notícias de defunto vindas de outras paragens.
Nos anos seguintes apareceu de novo, mas desta vez, acompanhado com mais amigos, urubus, corvos e outros necrófagos. Todos vestidos a rigor de plumas negras reluzentes, entoando já a marcha fúnebre de Chopim – tan, tan, taran–, «Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas as livrarias irão fechar». Porém, ainda não tinha chegado a nossa hora e voaram, outra vez, com notícias de defunto vindas de outras paragens.
Escrevi este texto em Março de 2011 e já previa este fim. É verdade chegou a hora da livraria Pó dos Livros «celebrar o dia da liquidação total». No dia 31 de Março de 2018, mais esta livraria passará a ser uma mera recordação, um pedaço de pó na memória de poucos.
Mais tarde escreverei sobre as causas e razões. Farei também os devidos agradecimentos a quem sempre nos apoiou, porque percebe qual importância da existência  de uma rede de livrarias independentes em todas as nossas vilas e cidades.
Até breve».

À agência Lusa, Jaime Bulhosa explicou: 

«Os motivos são os mesmos de sempre, de todas as outras livrarias que já fecharam. Em primeiro lugar, rendas altíssimas que não permitem ao negócio dos livros sobreviver, depois uma concorrência que é completamente desleal, porque é impossível concorrer com as grandes cadeias, com os descontos que eles fazem, e com as margens que nós temos, portanto as livrarias independentes estão em extinção».

A Pó dos Livros definia-se como uma livraria de bairro, independente, alternativa, com livreiros experientes.

Abriu portas na Avenida Marquês de Tomar, transferiu-se, mais tarde, para a actual localização, no n.º 58A da Avenida Duque de Ávila, na esquina com a Conde de Valbom.

Tinha um nome bonito com origem numa passagem de A Sombra do Vento, de Carlos Ruis Zafón, sobre um cemitério de livros esquecidos, cheios de pó, que recordou a Jaime Bulhosa uma história com seu pai, em que este lhe explicou que os livros com pó são os mais importantes, por serem aqueles que resistiram ao tempo.

Não compro livros em grandes superfícies, não vou à FNAC, não entro na Barata, nem na Bertrand porque pertencem a essa coisa que dá pelo nome de grandes grupos livreiros.

A Pó dos Livros era o meu porta-aviões.

Se não tinham qualquer livro que eu pretendia, prontificavam-se para, no mais curto espaço de tempo, estar nas minhas mãos.

Agora, sinto-me perdido sem o afecto que a Pó dos Livros me propoercionava e invade-me uma desesperante tristeza fria,

Hoje vendem-se livros com uma displicência que me horroriza,

Terei que dar a volta ao texto.

Como dizia o meu avô onde não há uma saída, tem necessariamente de existir uma saída.

Vou á procura, vou à procura, de pequenas livrarias espalhadas pela cidade, não são muitas, é certo, para não sentir o tal arrepio que Jorge Silva Melo sentiu quando viu que uma pequena livraria abriu um dia em Campo de Ourique, mesmo perto da casa onde vive, mas não chegou a estar aberta um ano porque se enrolou a comprar livros nas fnacs, nas amazons.

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