quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

L'ÉTÉ AU PORTUGAL


Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam?
              
Emigram-se uns para as Europas
e voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.
              
Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros campos
espanejando as caudas com que se ataviam.
              
Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios com o bem e o mal
‑ mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?
              
Chatins engravatados, peleguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem as pernas – e como cães sem faro
os pilhas poetas se versejam trúfias.
              
Velhos e novos, moribundos mortos
se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas todos tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais singelo pulo.
              
Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.
              
(Na tarde que anoitecer o entardecer nos prende).

Jorge de Sena

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