terça-feira, 15 de agosto de 2017

COMO SOBREMESA NÃO ESTÁ MAL!


Em 1979, o Diário de Lisboa, publicou em folhetim, O Imenso Adeus de Raymaond Chandler, numa tradução de Mário-Henrique Leiria. A apresentação do folhetim foi feita pelo Eduardo Guerra Carneiro com o título Com Chandler e Marlowe nos Bares do Cais do Sodré publicado no Diário de Lisboa de 31 de Março de 1979 e que o Eduardo nunca incluiu em nenhum dos livros onde reuniu crónicas e textos publicados na imprensa.

Começa assim:

Marlowe entra no “British-Bar”, despe a trincheira, sacode-a da chuva de Março que, em morrinha, como em Vigo ou no Porto, ainda pinga, atira o chapéu para o bengaleiro e pede um “gimlet” duplo.
Humphrey Bogart está ao balcão e sorri-lhe, de esguelha, com o paivante aceso ao canto da boca. A “magrinha” ainda não tinha chegado. Eu bebia gin tónico, numa mesa do canto com o Chandler. O Mário-Henrique Leiria não pôde vir: mandou recado a dizer para bebermos dois ou três copos por ele. Lauren Bacall chegou agora, senta-se à nossa mesa e pede-me um cigarro na sua voz rouca, inconfundível. Reparo que Bogey está com ciúmes. Como não quer a coisa, de uma velha telefonia vem uma música de piano: “Casablanca”. Afinal Bogart deve estar ainda à espera da Ingrid Bergman. Chandler, que nada tem a ver com isto, começa a falar da Cabeleira de Prata.
Interrompo Raymond para lhe contar uma história insólita, mas verdadeira. Esta, do parágrafo seguinte:
-Era um jantar em casa do Buda, ali junto à Escola Politécnica. Como de costume, raparigas bonitas, boa comida, muito vinho, muito álcool. Presente: o Mário Henrique-Leiria que traduziu o teu «The Long Goodbye». Conversas sobre a América do Sul, guerrilheiros, generauis de opereta ou de bananas, prisões, copos, a receita do «gimlet» que o Terry Lennox conta – partes iguais de gin e sumo de lima, mais nada. De repente – acredita, sócio! – a conversa começou a ficar tão quente, tão quente, que a gente foi à varanda p’ra apanhar fresco. Olhámos: a Faculdade de Ciências estava a arder!

Na notícia da morte de Mário Henrique-Leiria, que o Eduardo Guerra Carneiro escreveu para o Portugal Hoje, 14 de Janeiro de 1980, lembra o parágrafo atrás transcrito e acrescenta:

O que não escrevi faço-o agora – é que dizias, com o humor negro sempre engatilhado: «Como sobremesa não está mal!»

Legenda: fotografia de Rui Ochôa, Expresso

Sem comentários: