sexta-feira, 19 de abril de 2024

OLHAR AS CAPAS


Notas de Exílio do “Chico da C.U.F.”

Francisco Ferreira

Prefácio: José Augusto Seabra

Capa: Henrique Manuel

Edições Afrodite, Lisboa, Janeiro de 1976

Comecei a vida de trabalho muito cedo, como a maioria esmagadora maioria dos Portugueses. Fui operário da Companhia União Fabril (CUF), no Barreiro, onde trabalhei dez anos (1924/34).

Operários da secção de «Caldeiraria» iniciaram-me na compreensão dos deveres de solidariedade, da luta contra a injustiça e pela conquista de um futuro português de progresso e liberdade. Foram os meus mestres.

A minha primeira tarefa de militante foi organizar um grupo de Socorro Vermelho Internacional (SVI), de solidariedade aos presos antifascistas. Tornou-se um dos grupos mais activos do Barreiro. Chegou a ter 60 contribuintes.

Estávamos no ano de 1929.

Vivíamos sob o salazarismo que nos recusava os direitos mais elementares. O número de analfabetos entre o pessoal da CUF rondava os 70%.

Os partidos políticos republicanos tradicionais, dos diversos matizes, não manifestaram interesse no recrutamento de jovens para as suas fileiras. Tinham-se desinteressado da juventude.

DOMINA-ME UM TERROR INCOERENTE

Domina-me um terror incoerente
Do Nada, da final insensação
Por isso creio em Deus com Fé demente,
Por medo, por defesa, com paixão.

Se busco todavia uma razão
Que fortaleça a Fé de que sou crente,
Tortura-me o saber que tudo é vão,
Que tudo se aniquila finalmente,

Que tudo se transmuta e se transforma
E que perdura apenas noutra forma
Aquilo que no mundo é material.

Concebo que tudo isto tenha um fim.
Só não concebo o que será de mim,
Cumprido o meu degredo terreal.

Reinaldo Ferreira em Poemas

quinta-feira, 18 de abril de 2024

POSTAIS SEM SELO


Não julguem ninguém sem primeiro andar duas luas nos seus mocassins.

Ditado cheyenne

VIAGENS POR ABRIL


 

              Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                       João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


18 de Abril de 1974


O dia 18 de Abril, segundo António Mega Ferreira num futuro número do Expresso (25-04-1981), amanheceu cinzento. Um céu pesado, envolvia Lisboa numa promessa de chuva. Ao fim da tarde, porém, o estado do tempo agravou-se: uma violenta trovoada desabou sobre a cidade e choveu torrencialmente.

Nessa tarde do dia 18, Marcelo Caetano não escondia o seu desalento: «Não sei se algum Governo terá tido tantas dificuldades para governar como o meu,

O governo de Marcelo  não vive momentos de unidade, as forças conservadoras minam tudo. O próprio presidente da república  era mais um escolho e um foco de oposição;

Uma frase de Marcelo retida por António Mega Ferreira:

«Os meus ministros vêm aqui crucificar-me! Sou tido por responsável de tudo o que se faz e do que não se faz neste país.»

UMA PORTARIA do Ministério das Comunicações determina que as provas teóricas de condução de automóveis deixem de ser feitas oralmente e passam a ser prestadas de testes escritos.

MARCELO CAETANO convida o reitor da Universidade Clássica de Lisboa, Veríssimo Serrão, para substituir com urgência, Veiga Simão na pasta da Educação.

OLHAR AS CAPAS


Radiografia Militar

Manuel Barão da Cunha

Capa: Moreira Rijo

Editorial O Século, Lisboa, Abril de 1975

Bolama, 17-9-1964

Caro Camarada

Tem esta o fim de vos desejar completo êxito no cumprimento da missão. Cumprir a missão é quase sempre mais do que cumprir o dever.

Antes de abraçá-lo transcrevo, por julgar adequado ao momento que estamos a viver, as seguintes palavras de P.. António Vieira:

«Se serviste a Pátria e ela vos pagou com gratidão, vós que fizeste o que decias, e ele o que costuma.»

Aceite uma abraço amigo do camarada»

Assina: major Vitor Carloto

PONHO PALAVRAS EM CIMA DA MESA

Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca - onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.

Nuno Júdice

quarta-feira, 17 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


 

                 Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                          João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.



17 de Abril de 1974

 
A POUCO E POUCO, caminhamos para os dias últimos de Marcelo Caetano & Cª.

JORNAIS continuam a publicar comunicados das Forças Armadas dando conta das mortes de militares em teatro de guerra, a maior parte motivadas por “acidentes de viação”.

OS SERVIÇOS DE CENSURA do Reino estão numa actividade febril.

NO TRIBUNAL PLENÁRIO de Lisboa continua o julgamento de “cidadãos acusados de pertencerem à Acção Revolucionária Armada (ARA)” A censura “aconselhava” que as notícias do julgamento deveriam ser reduzidas “à expressão mais simples”.
O editorial do “Diário de Notícias” deste dia tinha por título “A Orelha de Mão” onde eram explicados os motivos por que a Rússia e a China travam em África uma guerra surda pela conquista de zonas de influência.

 
MARCELO CAETANO agradece à Universidade de Luanda o título honoris causa.

A censura proibia qualquer referência à homenagem ao professor Óscar Lopes.

Proibida também a notícia da confraternização de antigos alunos do Colégio Militar.

O Coronel Roma Torres, censor-mor deste dia, lembrava aos senhores jornalistas que têm de MANDAR SEMPRE CÁ, os assuntos que os senhores jornalistas, às vezes, se esquecem de mandar…


                                       Circular nº 45/74 dos Serviços de Censura:


“Para os devidos efeitos, elucido V. Exª de que todas as notícias de sessões públicas de qualquer índole deve, sem excepção, ser submetidas a exame prévio.
A BEM DA NAÇÃO
Alberto Alexandre Pestana de Ornelas.”

AINDA UM VOLTAT ATRÁS...

«Declaro por minha honra que estou integrado na Ordem Social estabelecida de Constituição Política de 1933 com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas.

Torres Vedras, 23 de Novembro de 1966»


Pasar de olhos pelos Dias Comuns, Vol I , de José Gomes Ferreira:

«8 de Outubro de 1965
Momento sinistro de pensamento mutilado…
Como é possível viver numa pátria assim! – de livros proibidos, de jornais proibidos, de peças proibidas, de homens proibidos – em que só o silêncio é justo?»

NOTÍCIAS DO CIRCO


 O título pertence ao Público do dia 21 de Março.

Mediante a afirmação Montenegrina, no dia 2 de Abril, o Presidente da República deu posse ao XXIV Governo Constitucional.

Desde então temos assistido a uma série de situações que permitem concluir que o governo tem realmente maioria para exercer a governação, mas falta-lhe humildade, bom senso, competência, algo mais.

Tem-se revelado um governo amante de truques e magias com uma sucessão de casos que permitem ter a ideia que o governo está a fazer tudo para proporcionar a sua queda.

Isso mesmo conclui Pedro Tadeu, hoje, no Diário de Notícias.

OLHAR AS CAPAS


Trinta Facadas de Raiva

Capitão Calvinho

Prefácio: Diniz de Almeida

Capa: Luiz Suarez

Edição da Associação dos Deficientes das Forças Armadas,

Lisboa, Abril de 1976

 

Agressão Cultural

 

Mataca é nome de régulo.

Régulo é nome tradicional de chefe

Chefe deriva neste poema:

de Gungunhana.

 

Guerra é nome de crime.

Crime é nome de agressão.

Agressão deriva deste poema:

do gesto dum capitão

que hoje é «gente grande»

 

- Põe teu filho nos ombros!

Ordenam lábios finos,

secos, quase cerrados.

 

- Não!

Responde um régulo ferido

no seu orgulho e razão.

 

- Pega no teu filho!

Insiste um rosto

feito de triângulos.

 

- Não!... não pega – replica um régulo

já sem convicção.

E explica:

Minino não é carga de régulo!

 

E o seco rosto

do seco oficial:

ensaia um tique de nervos

para lá das lentes escuras

que lhe escondem os olhos.

 

E o régulo curvou-se…

fixou os olhos num filho

     (de olhos escancarados)

 

e perante a força do novo Mouzinho:

- «sentou-se no chão»!...

 

       (Meses depois, apesar de «muito bem tratado»,

        fugia para junto daqueles que nunca traiu)

LARGADA

 «33…35…Rumo ao Norte»!


Só isto! Nada mais!

 

E isto quer dizer

a saudade do cais

que se perdeu de vista;

o Mar que se conhece braça a braça

por outro mar sem fundo;

as praias onde andara em pequenino

pelas do Cabo do Mundo,

geladas e tristes;

a mulher possuída realmente

pela mesma mulher

que se quer

e se não tem,

e a voz dum filho nu – continuamente –

debruçado do cais

a pedir pão!

 

- «33… 35… Rumo ao Norte».


Só isto! Nada mais!

Julho de 1940


Álvaro Feijó em Os Poemas de Álvaro Feijó

terça-feira, 16 de abril de 2024

COMEÇOS DE LIVROS


Começo de O Fogo e as Cinzas de Manuel da Fonseca:

«Antigamente o largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido; o pó redemoínha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila».

Terá sido o primeiro livro que li de Manuel da Fonseca.

Todas as leituras que, na adolescência, fiz dos livros da Biblioteca da Casa, foram, na sua quase totalidade, pescaria à mão, à linha, feitas, sem qualquer indicação, sem qualquer orientação. Claro que houve livros que abandonei por não entender nada, por não encontrar um mínimo de chamamento. Deveria ter feito um registo dos livros que abandonei. Tentei um dia fazer esse apanhado, mas perdi-me por completo.

Claro que lendo Eça de Queiroz aos 14 anos, teria que a ele voltar. Sempre

Mas este começo do livro não pode enganar ninguém, um começo que, quando o releio, ainda, fortemente me comove.

«Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila».


VIAGENS POR ABRIL


 

                     Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                              João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


16 de Abril de 1974

 
O MINISTÉRIO DO ULTRAMAR, em nota enviada para os jornais, dava a conhecer que, contrariamente ao que diziam os inimigos da Pátria, os missionários combonianos não foram expulsos de Moçambique mas convidados a sair “para salvaguarda da sua segurança”. O mesmo no que diz respeito ao Bispo de Nampula.
Missionários e Bispo eram acusados de serem responsáveis por um “documento altamente ofensivo da nação portuguesa e também da hierarquia da Igreja, pondo em causa s relações entre Portugal e a Santa Sé.”

No topo do texto desta Viagem de Abril encontra-se, através do Notícias de Portugal, a versão do governo de Marcelo, que, como habitualamente, é uma completa mentira.

UMA NOTA da PIDE/DGS informa que “Com base nas averiguações feitas foram detidos 15 indivíduos em Lisboa e Porto”, implicados em “acções revolucionárias no 1º de Maio. Mais se informava que uma brigada apreendeu “largos milhares de exemplares de panfletos revolucionários” nas oficinas do semanário oposicionista «Notícias da Amadora».

TÃO SURREALISTA, como hilariante, o despacho da Comissão de Censura enviada para o «Jornal de Notícias e transcrita no livro de César Príncipe «Os Segredos da Censura».

Aqui se dá conta que o censor de serviço também lamentava os aumentos das tarifas de correios e telefones mas, infelizmente, não se pode dizer…

«Sobre aumentos dos correios e telefones – não se pode falar em «público reage». A propósito da reportagem o senhor coronel Saraiva não viu inconveniente nenhum, pois ele até ficara “desgostoso, termo que satisfaz nestas coisas de novos preços. O público reage é que não, pois dá a ideia de “barulho. de contestação agressiva.”

OLHAR AS CAPAS


A Tarde dos Generais

Luís Ataíde Banazol

Capa: Dorindo de Carvalho

Prelo Editora, Lisboa, Março de 1975

É com tais ideias que o autor destas linhas se debate, na reunião de Óbidos, em princípios de Dezembro de tenta e três.

Só isto: ao generais não servem para a Revolução que se pretende.

Mas é-lhe impossível convencer disto os capitães. Isto é: a sua maioria.

A tese defendida era mais ou menos  esta: a Revolução tem de ter um carácter popular. Com as altas patentes metidas nela corre-se o risco de se cair numa ditadura militar. É impossível imaginar-se um chefe popular de entre os actuais generais. Um general que se identifique com as massas populares e com as tropas.

Não obstante estes argumentos, eis que um dos capitães se levanta, em tom enfático: «Precisamos de um general!»

E a maior parte deles, em sinal de assentimento: «Pois calaro que precisamos de um general».

«Os generais são vocês! É preciso que o Povo vejas as vossas caras jovens e lavadas, e não qualquer indivíduo já encarquilhado por anos e anos de compromisso com a ditadura.

Levanta-se um outro, com velada intenção de censura: «O meu tenente- coronel falou aí que devemos abrir os braços a todos os camaradas. Ora os nosso generais também são nossos camaradas».

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO


Caminhando, caminhando sobre pedras.

O presidente iraniano, Ebrahim Raisi , afirmou que Teerão responderá "ferozmente" à "mais pequena acção" de Israel contra os seus interesses, após o ataque de sábado contra território israelita, em retaliação pelo bombardeamento do consulado iraniano em Damasco.

«A mais pequena acção contra os interesses do Irão será recebida com uma resposta feroz, generalizada e dolorosa contra todos os responsáveis», disse Raisi.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, clarificou que não pretende uma escalada do conflito no Médio Oriente, mas:

«Não queremos uma escalada, mas continuaremos a defender Israel e a proteger as nossas forças na região», assegurou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, no início de uma reunião, em Washington, com o vice-primeiro-ministro iraquiano, Muhammad Ali Tamim.

Um outro olhar, talvez , talvez uma certeza: Netanyahu, Gallant e Gantz têm: os Estados Unidos, o maior aliado de Israel, já deixaram  claro que não participarão em qualquer acção de retaliação israelita contra o Irão. «Não faremos parte de qualquer resposta que pretendam dar», disse um alto responsável norte-americano sob condição de anonimato.

No final de uma reunião, em Madrid, com o primeiro-ministro, Luís Montenegro, face à clareza das ideias de Sanchez sobre a aceitação da Palestina como membro efectivo da ONU, começou a gaguejar, a gaguejar, a gaguejar e que estava à espera de uma decisão da restante comunidade europeia sobre o assunto.

NÃO SÃO AVES AS CARTAS

 Não são aves as cartas

que chegam

pelo correio

 

aves de uma as

 

secas

molhadas

 

São corações brancos

dobrados em 4

 

gravados a azul

e a preto

 

pelos dedos

pelas lágrimas


António Reis em Poemas Quotidianos 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

POSTAIS SEM SELO


Nada acontece duas vezes, nem acontecerá. Eis a nossa sina. Nascemos sem prática e morremos sem rotina.

 Wislawa Szymborska

Imagem cedida por Aida Santos

VIAGENS POR ABRIL


                       Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                                João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 

15 de Abril de 1974

Neste dia, de há 50 anos, existem notícias curiosas.

1ª                                                                                                                              

Henry Kissinger, de má memória, falecido há meses, como secretário de estado americano, ofereceu em Nova Iorque um jantar ao vice-primeiro ministro chinês Deng Xiaoping, chefe da delegação chinesa à sessão especial da Assembleia Geral da ONU sobre matérias primas. Apesar do clime de bom entendimento entre Washington e Pequim, desde a visita, dois anos antes, do presidente Nixon à China, Deng não poupou críticas na ONU aos seus anfitriões, acusando os Estados Unidos e a União Soviética de serem «os dois maiores exploradores e opressores internacionais».

2ª                            

O Egipto ameaçou declarar guerra a Israel se o estado hebraico persiste nos seus ataques contra a Síria e o Líbano. «Não ficaremos de braços cruzados deixando Israel atacar impunemente o Líbano e a Síria».

O maestro António Victorino de Almeida foi nomeado adido cultural em Viena. O maestro realizou  um trabalho meritório na capital austríaca, com excelentes programas realizados para a então RTP ,que foram largamente referidos por Mário Castrim nas suas críticas que publicava no Diário de Lisboa.

MAS HÁ QUE VOLTAR às inúmeras reuniões, realizadas em todo o País, com vista à concretização da queda da ditadura. Não sei em que dia, finais de Novembro de 1973, Luís Ataíde Banazol, no meio de uma série de conversas repetidas, acabou por dizer:

«Meus caros camaradas:

Estão a esgotar-se com um assunto que não vale a pena. Isto não é uma questão de galões. O que vocês estão, e todos nós, é agonizantes. Estrangulados por um regime que nos conduz directamente para o abismo. É preciso que acordemos do pesadelo, é preciso acabarmos de vez com a maldita guerra colonial. Impõe-se a revolução armada desde já, seja qual for o seu preço e as suas consequências.»

Legenda: a fotografia que encima o dia de hoje é uma reunião-chá-canastra das «senhoras» do Movimento Nacional Feminino com vista a angariação de fundos para comprarem esferográficas, crucifixos,  imagens pequeninas da senhora de Fátima, terços, aerogramas, alguns cigarros, não muitos, porque o tabaco mata, ao contrário da guerra em África, que as madamas com o seu fervor católico, apoiavam fervorosamente!

OLHAR AS CAPAS


Ascensão, Apogeu e Queda do M.F.A.

2º Volume

Diniz de Almeida

Edições Sociais, Lisboa s/d

Por outro lado, a manutenção das próprias estruturas do velho regime, preenchidas na generalidade pelos mesmos elementos de antes do 25 de Abril, que faziam o contra-vapor piorava a situação. Particular gravidade assumiria todo o sistema judicial, civil e militar, que se manteve praticamente intacto até aos nossos dias.

NOTÍCIAS DO CIRCO

Marques Mendes, o catequista dominical da SIC, diz que Luís Montenegro« não mentiu» sobre a dimensão do alívio fiscal prometido em sede de IRS, apenas não foi claro e critica os partidos da oposição, excepção feita à Direita Liberal, por não terem reparado na ambiguidade do governo. «Têm de estar mais atentos a estas matérias.»

Acontece que  maior parte das gentes não quer saber - mas deveria querer saber! -  destes pormenores, pretende apenas que algum novo dinheiro chegue ao bolso.

O resto foi assim:

«Oposição fala em embuste, mas Montenegro frisa que está a cumprir o seu programa. E se o fizer, o maior alívio será para quem ganha mais. Ministério diz que a redução chegará a todos.»

«Entre acusações de “fraude” e de “enorme desilusão”, Partido Socialista  e Chega apertam o cerco ao Governo de Luís Montenegro e exigem explicações ao ministro das Finanças sobre o prometido choque fiscal, que se resume a menos de 200 milhões de euros. Os socialistas pedem um debate de urgência para quarta-feira e o Chega chama, de imediato, Miranda Sarmento à comissão parlamentar de Finanças. O “retoque” fiscal de Montenegro está em risco.»

O secretário geral do PS :«Nós estamos perante um embuste, uma fraude, um Governo a enganar os portugueses. Nós estivemos meses a avisar que as medidas, de que a candidatura da AD não era credível e esta é a primeira prova, é o primeiro momento em que isso fica claro».

O secretário-geral do PCP acusou o Governo de apresentar um programa "de fraude", sublinhando que as "grandes preocupações que tinha com a carga fiscal" só se traduziram numa redução do IRC para os grandes grupos económicos.

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua: «Luís Montenegro fabricou um artifício e ficou a assistir enquanto toda a gente se deixava enganar ou era engado pelas notícias dos jornais. Luís Montenegro fez de parvos os jornalistas, os deputados. O Governo toma Portugal por parvo".

Vitor Dias sugere:.

«As esfarrapadas explicações do Governo face a estas denúncias arrasam-se de uma forma muito simples perguntando: porque é que, em vez de andarem a falar de 1.5oo milhões, não falaram antes e só de 200 milhões ?»

O Expresso insiste:

«Redução de IRS deverá rondar apenas os 200 milhões de euros. Os 1,5 mil milhões de euros anunciados por Luis Montenegro já abrangem a redução de IRS em vigor, aprovada pela anterior maioria socialista. “Os portugueses foram enganados”, denuncia Pedro Nuno Santos.»

DA MINHA JANELA

Da minha janela
vê-se a Poesia.

Não te digo, não,
se é bonita ou feia,
se é azul ou branca,
nem que formas tem.

Queres conhecê-la?
Deixa o teu bordado,
vem para o meu lado,
que já podes vê-la
com teus próprios olhos.

Da minha janela
vê-se a Poesia...
Outro que te diga
se é bonita ou feia.

Sebastião da Gama em Cabo da Boa Esperança

domingo, 14 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


                          Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                               João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

14 de Abril de 1974

O Chefe de Estado Almirante Américo Thomaz continuou a dar despacho à sua preenchidíssima agenda de visitas, inaugurações e recepções.


RECEBEU o Prof. Mendes Ferrão, secretário de Estado da Agricultura, e os Drs. Tiago Pereira e Joaquim Portugal, respectivamente director-geral dos Serviços Pecuários e director da Estação Zootécnica Nacional. A audiência teve por finalidade convidar o Almirante a visitar aquela estação e inaugurar novas instalações introduzidas nos últimos anos, nomeadamente as de fomento de ovinos, laboratórios de apoio e ensaio de raças e sua adaptação no nosso país.O Presidente da República aceitou o convite, devendo a visita efectuar-se em 14 de Maio próximo.

RECEBEU o Dr. Ascensão Azevedo, governador civil do distrito de Braga, e os membros da comissão da feira Agro-74, que lhe dirigiram convite para se deslocar à capital minhota por ocasião daquele empreendimento nortenho.

NOUTRA AUDIÊNCIA, o Engº João de Brito e Cunha, e D. António de Lencastre, respectivamente presidente e vice-presidente da direcção do Instituto do Vinho do Porto, ofereceram a sua excelência um exemplar da medalha comemorativa do 40º aniversário da criação daquele instituto.

A UNIÃO dos Sindicatos Ferroviários deslocou-se ao gabinete do ministro do Ultramar, Baltazar Rebelo de Sousa, para lhe manifestar o seu reconhecimento pelos benefícios resultantes de alterações ao acordo colectivo de trabalho introduzidas por este ministro quando era titular das Corporações e Segurança Social. O líder da União, Olímpio da Conceição Pereira, aproveitou para deixar dito que o Governo “pode contar sempre com os dirigentes corporativos dos verdadeiros ferroviários” na sua política ultramarina.

OLHAR AS CAPAS

Ascensão, Apogeu e Queda do M.F.A.

1º Volume

Diniz de Almeida

Edições Sociais, Lisboa s/d

- Então  o Sr. Dr. Mário Soares já sabia do Golpe do 11 de Março… - perguntou intencionalmente Vasco Gonçalves, ao que o visado se justificaria, visivelmente embaraçado:

- Bem, eu na realidade tive conhecimento dele com uns dias de antecedência, mas isso não significa nada… o Dr. Cunhal, por exemplo, também soube com antecedência que ele se ia dar…

- Sim… sim…, - retorquiu severamente Vasco Gonçalves – mas a diferença é o que o Dr. Álvaro Cunhal avisou-me e o Dr. Mário Soares não…

NOTÍCIAS DO CIRCO


 

Longa, e duramente tarimbado, nunca liguei ao que os partidos do poder prometem ao povo.

Mas agora, há por aí uma rábula em que os partidos da oposição, e não só!,  dizem que o governo de Luís Montenegro enganou os deputados, os jornalistas, os comentadores, o povo.

O semanário Expresso já pediu desculpa aos seus leitores por, indo nas conversas do governo, os ter enganado.

«É um embuste!», ouve-se gritar.

A redução do IRS que prometeram não dá sequer para beber o café da manhã na leitaria do bairro.

Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, um velho jota-com-cara-de-merceeiro,  diz que "o primeiro-ministro foi cristalino" sobre o tema, que "a proposta está clara na página 35" do programa eleitoral de Governo.

Deixando farpas à oposição, diz que "tem de se habituar" ao facto de haver políticos "cristalinos". "É preciso saber o que se diz, não vale a pena vir a reboque, tentar fazer política da má-fé. Este Governo anunciou de forma clara, e o primeiro-ministro não mentiu aos portugueses".

Teremos que seguir os próximos.

Estou agoniado e ainda por cima um domingo tão bonito de Primavera,

Para ganhar o dia, coloco, como ilustração, um desenho da Aida.

sábado, 13 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


 Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                     João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.  

13 de Abril de 1974

As Viagens de Abril podem levar-nos a tempos que, esperávamos que não mais poderiam voltar, mas apareceu por aí uma pandilha, com azáfama demoníca, que exigem, à viva força, que as mulheres voltem para casa porque, como dizia o botas de santa comba, «o trabalho das mulheres fora de casa não deve ser incentivado porque uma boa dona de casa tem sempre muito que fazer», que volteam a ser mulheres-despeja-penicos , que lhes lavem os pés, que lhes cortem as unhas, que tenham o jantar pronto quando eles chegam a casa, no fundo dos fundos, que as donas-de-casa, tenham um estatuto.

Esta gente católica, prufundamente reacionária e ignorante, não tem ponta de vergonha, não entendem que o mundo está sempre a pular e a avançar.

E não se pode exterminar?, tal como ouvi gritar, numa peça de Karl Valentin, encenada por Jorge Silva Melo, em 1979, no saudoso Teatro da Corbucópia, no Bairro Alto.

Mas fechemos a triste viagem de hoje, lembrando partes de outras tristezas.

A censura proibia qualquer notícia relativa ao «Julgamento das Três Marias» em que as escritoras Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, eram acusadas de «a partir de data ignorada de Outubro de 1971, terem escrito em conjunto, mediante prévia combinação, um livro ao qual deram o título de “Novas Cartas Portuguesas que contém diversas passagens de conteúdo imoral e pornográfico, atentórias da moral pública.”
Como poderiam, aquelas almas penadas-censórias, que mal ouviam falar de cultura puxavam da pistola, ter outros procedimentos que não estes?

Só (?) a MariaTeresa Horta sabe a autoria dessas maravilhosas cartas. Prometeu que nunca as revelará. Estranha atitude, mas enfim!... Que se terá passado na cabeça das moças?

Sabe-se apenas que a primeira carta é de Isabel Barreno.

                                                                                                    

                                                                                               Primeira carta

Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o seu exercício.
 
Não será portanto necessário perguntarmo-nos se o que nos junta é paixão comum de exercícios diferentes, ou exercício comum de paixões diferentes. Porque só nos perguntaremos então qual o modo do nosso exercício, se nostalgia, se vingança. Sim, sem dúvida que nostalgia é também uma forma de vingança, e vingança uma forma de nostalgia; em ambos os casos procuramos o que não nos faria recuar; o que não nos faria destruir. Mas não deixa a paixão de ser a força e o exercício do seu sentido.
 
Só de nostalgias faremos uma irmandade e um convento, Soror Mariana das cinco cartas. Só de vinganças, faremos um Outubro, um Maio, e novo mês para cobrir o calendário. E de nós, o que faremos?
 
1/3/71